👉 O INÍCIO DO FIM
Teve uma semana ano passado em que eu passei muito mal.
Acordei numa madrugada com um mal estar horrível. Achei que era mais uma crise de ansiedade, algo super comum naquela época, então levantei, tentei entender se eu queria vomitar ou não e nada aconteceu por um momento. Daí tomei um rivotril e deitei novamente.
No inicinho da manhã seguinte, levantei sentindo dores pelo corpo, um pouco de dor cabeça e a coisa foi evoluindo pra um mal estar generalizado e prostração. Nesse dia eu não fui trabalhar e me senti um pouco pior com a culpa por estar improdutiva. No início da noite eu tava menos pior e decidi que deveria me esforçar um pouco mais e ir pro estúdio participar de uma gravação. Chamei um uber e enquanto esperava os 6 minutos até que ele chegasse, eu vivi a luta do meu corpo que queria cama e da minha cabeça que dizia que eu deveria ser forte e ir trabalhar. Não deu. Faltando 4 minutos pro motorista chegar eu senti uma dor muito forte na barriga, cancelei a viagem e foi o tempo de chegar em casa e correr pro banheiro.
Tive uma diarréia forte, que piorou naquela noite e nos próximos dias. Precisei marcar duas consultas online, num intervalo de 3 dias, pra ver o que eu poderia fazer pra melhorar e pra saber se precisava de atendimento presencial. Por sorte consegui controlar aqui em casa mesmo. Aparentemente foi uma virose e apesar de passar mal durante 5 dias, sozinha, deu tudo certo.
Em partes.
Fica aí a dica desse probiótico caro, mas que me ajudou. Indicada pelo meu amigo pessoal e médico, Erick Melo.
🫠 O MEIO DO FIM
Quando a gente presta serviço pra outras empresas, não existe isso de atestado médico. O que existe é você justificar a ausência, se sentir culpada e torcer pra melhorar e voltar a produzir logo, dar conta de tudo que não foi feito e do que ainda está por fazer.
Melhorei da virose e retornei as atividades. Não tava 100%, mas deu pra cumprir com tudo. E foi aí que, algumas semanas depois, rolou uma situação num dos trabalhos em que alguém disse, em tom de desaprovação, algo como: na semana que você não trabalhou foi muito complicado, não dá pra acontecer isso de novo. Uma fala pontual, no meio de uma conversa mais ampla, que podia ter passado batido. Mas não passou e a frase que nunca mais saiu da minha cabeça foi:
E SE EU TIVESSE MORRIDO?
Já tem meses que isso aconteceu, mas essa pergunta não foi embora.
O gatilho bateu pesadíssimo.
Ano passado eu, por algumas vezes, pensei que eu gostaria de ter mesmo morrido, de ter sumido, de que não tivessem mais notícias de mim. Eu queria ter morrido pra não ter que lidar com frustrações, insatisfações, com as coisas que não acontecem como a gente espera ou com a falta de sentidoda vida.
Em quase todas as situações minimamente desagradáveis que aconteceram nos meses seguintes (e foram muitas) a questão sempre aparecia: e se eu tivesse morrido?, quase como um mantra.
Me esforcei muito pra manter a saúde mental mais ou menos equilibrada nesse período. (É muito importante destacar que a terapia semanal tá rolando há mais de 5 anos e que saude mental é coisa MUITO, muito séria.) Não era uma vontade de me matar, mas um desejo de desaparecer. E mais do que isso: o “e se eu tivesse morrido?” virou uma reflexão sobre as coisas que importam na vida.
E nessa crise existencial eu decidi acabar com a única parte da minha vida possível: a online.
Desativei minha conta no Instagram e acabou sendo um período de bastante alívio. Senti menos pressão pessoal pra produzir coisas incríveis, pude ler mais, escrevi mais e até comecei a aprender italiano pelo Duolingo.
Io scrivo.
🫥 O FIM?
Algumas pessoas vieram perguntar se tava tudo bem. Duas me perguntaram se eu as tinha bloqueado e teve uma outra que perguntou como ela ia me mandar memes se eu não tava no instagram. Por fim, depois dos dias de morte virtual, ressuscitei.
E se alguém me perguntar se tá tudo bem, eu digo que tá. Não tá tudo incrível, ai que alegria, ai que badalo, ai que loucura. Ainda tem várias coisas passando aqui dentro, mas tem bastante luz no fim do túnel também.
O meu mal estar lá do início desse texto, talvez tenha sido um prenúncio de uma morte iminente. Alguma coisa, nem que seja uma ideia, uma forma de pensar ou de enxergar a vida, tem sempre que morrer pra gente continuar vivendo e descobrindo coisa nova.
Tá, mas E SE EU TIVESSE MORRIDO?
Eu não sei, a gente nunca sabe. A vida certamente ia seguir seu rumo, eu seria substituída numas funções, eu causaria um vazio em outras, o Oliver, meu gato, ficaria abadonado (ai meu coração), mas absolutamente nada disso me diria mais respeito.
Nas vésperas do meu aniversário do ano passado eu tava meio jururu. Na terapia eu abordei a questão do que fazer quando eu morrer. Eu tava com ideia de fazer um plano funerário, tava pensando em quem cuidaria do Oliver, o que as pessoas iam fazer com meus diários, videos e fotos. Aí a Renata, minha analista, perguntou: você tá preocupada com o depois da sua morte?
Aí a ficha da ansiedade e da tentativa de controlar tudo caiu e rimos muito (só eu ri, de nervoso). No final da sessão eu saí decidida a viver bastante o meu aniversário: marquei com os amigos num samba, encomendei um bolo delicioso, beijei todos os meus convidados e fui feliz. 😎
🙌 RESSURREIÇÃO
Fato é que eu não morri, ainda bem, então vou continuar vivendo do jeito que dá.
Tem dias que são bons, outros, mais difíceis. Essa semana ganhei beijos da minha sobrinha, colo da minha família, almocei com uma amiga querida, fiz pipoca doce e assisti uma série ótima. A vida segue.
E nesse climinha de início de ano eu desejo, pra você e pra mim, que 2025 seja um ano gostosinho, leve e cheio de história boa. Desejo ressurreições.
No próximo domingo eu tô de volta. =)
Calma calma que não acabou! Antes de ir eu quero compartilhar uma crônica que eu fiz em 2022, que tá dentro da temática. Dá aí uns 9 minutos de leitura, mas hoje é domingo, nosso dia de descanso, então serve mais café e boa leitura.
📝 Resolução de ano novo
Todo início de janeiro era a mesma coisa: ela olhava as principais páginas de notícias e fofocas antes de fazer sua tradicional lista com as personalidades que ela achava que iam morrer naquele ano.
Ela sabia que todo ano morriam pessoas conhecidas nacionalmente. Tinha até alguns videntes que tratavam de dar logo o nome daqueles que precisavam cuidar da saúde, pois aquele ano exigiria atenção. Mas não eram somente as celebridades que entravam na sua lista e aquilo também não era somente um hobby meio macabro: ela criava uma lista com celebridades, conhecidos e familiares que ela considerava que poderiam morrer e se preocupava profundamente que aquelas mortes pudessem acontecer.
Depois de anotar todos os nomes no papel, ela passava o ano todo agoniada e atenta. Quando acontecia de acertar um dos nomes, sentia uma felicidade esquisita por breves instantes e depois já voltava a se preocupar se iria mais alguém.
No dia 31 de dezembro quase sempre passava a virada sozinha, sentindo algum alívio por estar viva e por não ter perdido entes queridos, mas também um pouco de frustração por não ter acertado o nome de ninguém.
Tão logo os fogos do novo ano acabavam, ela já iniciava um novo ciclo de ansiedade pelas mortes futuras. E na manhã do dia primeiro de janeiro do último ano, acordou com o coração saindo pela boca por conta de um pesadelo: ela saía do banho e quando se olhou no espelho estava com sangue nas mãos até o antebraço, como se tivesse enfiado a mão no peito de alguém. Ela procurou no seu corpo de onde vinha todo aquele sangue, mas não tinha nenhuma ferida, logo, era mesmo o sangue de outro. Ufa. Foi tomada por uma alegria tão grande que acordou.
Passou a manhã toda pensando no sonho e nos possíveis significados daquilo, mas por volta das 11h, quando já tinha acabado de tomar o café, os remédios e vitaminas, arrumado a cama e varrido a casa, sentou no escritório pra fazer a lista daquele ano e ficou surpresa com um pensamento: a sensação que ela teve no sonho quando viu que o sangue não era seu poderia ser, na verdade, um certo prazer por ter o sangue de outra pessoa nas mãos. E foi assim que, ainda com a aura do sonho vívido e prestes a escrever o primeiro nome na lista, ela decidiu que aquele ano mataria alguém.
Matar alguém lhe pareceu uma boa ideia, não apenas porque seria bom sentir aquela alegria do sonho novamente, como também para acabar com a frustração de chegar ao final do ano sem acertar a morte de ninguém. E melhor ainda: ela poderia escolher quem deveria morrer.
Mas ela não era assassina, que horror! Ela apenas iria começar o ano inserindo novas atividades em sua rotina, assim como fazem aqueles que começam um exercício, uma dieta, um diário de escrita. Talvez os assassinatos estivessem mais pra um diário de escrita, porque era algo muito particular, um segredo só seu.
A ideia lhe deixou mesmo animada. Organizada que era, antes de escolher as vítimas pensou na forma de matá-las. Envenenadas? Sufocadas? Não. Queria um pouco de sangue. Sabia dos riscos que isso envolvia porque pra matar pessoas e não ser presa, não podia deixar rastros. Sabia também que isso seria impossível. Por mais que nos filmes e séries alguém sempre desse um jeito de fazer parecer possível, ela sabia que no mundo real as coisas não seriam assim tão simples.
Se ela matasse apenas uma única vez talvez fosse mais fácil escapar. Ela poderia provocar um acidente e, no máximo, ser julgada por homicídio culposo, mas e se ela gostasse da nova atividade e isso se tornasse algo comum? Era mais prudente já pensar num processo do que numa única ação.
Ela queria sangue. Queria sentir a temperatura do sangue quente, sentir o cheiro e ver quão bonito era o vermelho sangue. Queria cortar a barriga de alguém. Não precisava ser naquele dia, nem nos que se seguiram. Matar não era uma necessidade urgente e planejar, pensar nos detalhes e organizar o grande dia faziam parte do projeto. Ela tinha até o dia 31 de dezembro pra realizar seu plano de morte.
Incrível como o ano começou mais leve. Pela primeira vez em anos ela não se preocupou mais com a morte dos familiares, conhecidos ou personalidades. Ela tinha a sua morte preenchendo os espaços que antes a ansiedade ocupava.
No dia 21 de setembro, às 19h30, ela entrou no quarto 304 de um hospital no interior do Rio. Foi direto para o banheiro, que ficava bem próximo da porta. Retirou as luvas de borracha na pia, com quase nenhum sangue, mas teve cuidado para não deixar nada cair no chão ou esbarrar nas portas e paredes. Colocou as luvas num saquinho de lixo que tirou da bolsa, passou álcool em gel nas mãos, lavou o punhal, secou com toalhas de papel e o colocou de volta na bolsa. Deu uma limpada na pia, por conta de uma aguinha vermelha que tava ali, depois daquela limpeza toda. Esperou um pouco mais e deu descarga. Saiu do banheiro e perguntou pra paciente daquele quarto: “Tia, a senhora precisa de alguma coisa?”
4 meses antes ela descobriu que uma tia precisava fazer uma cirurgia para remoção do útero e ela se ofereceu para acompanhá-la. Nos dias que antecederam a cirurgia ela foi pra cidade da tia com o pretexto de ajudar nos preparativos, mas queria mesmo era pesquisar um pouco sobre o hospital, sobre o funcionamento de plantões, troca de equipes e a ordem e horário das coisas.
No dia da cirurgia, quando chegaram no hospital, ela viu que o corredor não tinha câmeras, o que era bom. A cirurgia da tia correu bem e por volta das 22h ela achou que seria um bom horário para agir. Saiu do quarto 304 com sua bolsa, um par de luvas de borracha e com uma caneta com um pequeno punhal disfarçado, que ela comprou numa loja online com artigos de defesa pessoal.
Ela saiu pelo corredor do hospital entrando em alguns quartos, observando se os doentes estavam acompanhados e qual a situação deles. Entrava e saía tão rápido que quase ninguém havia notado sua presença. Até que ela entrou no quarto 316, onde um homem grisalho, porém não muito velho, dormia, possivelmente por conta de remédios pra dor. Ele parecia ter sofrido um acidente pois tinha o rosto machucado, a cabeça enfaixada, a perna suspensa e engessada e curativos na lateral da costela direita, até o quadril. Ele estava sozinho e parecia fora de perigo, porém debilitado. Ela abriu a bolsa, retirou a caneta, a destampou e fez um furo muito rápido próximo ao apêndice. Ela esperou que algum sangue jorrasse, o que não aconteceu. O acidentado não parecia ter notado a facada, talvez por estar sob efeito de anestésicos, talvez porque foi tudo muito rápido.
Apenas uma manchinha se formou ao redor da ferida e ela a tocou com a ponta do dedo. O sangue não tinha nada de especial. Nada que ela já não tivesse visto, como o sangue da sua menstruação ou daquela vez que seu nariz sangrou. O furo era pequeno, mas ela estava certa que tinha alguma profundidade.
…
Depois da cirurgia da tia ela ainda permaneceu na cidade por 6 dias. Nesse período ia todos os dias na banca do bairro comprar o jornal da cidade para ler o obituário. No sexto dia leu:
"João Carlos Lopes Cristão. Faleceu no dia 27 de setembro, aos 55 anos de idade, devido a complicações provenientes de um acidente de moto. Casado com a Sra. Elza Lima Cristão, não deixa filhos ou netos. O velório terá início dia 27 de setembro, às 18h30 e seu sepultamento será às 09h do dia 28 de setembro. Local: Cemitério Municipal.
Funerária São Sebastião."
Sua tia se recuperou bem da cirurgia e ela voltou pra casa. Nos dias seguintes ela continuou sua vida normalmente. Não esperou ligações da polícia e isso também nunca ocorreu. Tinha a certeza que havia matado aquele homem, ainda que nada suspeito tivesse sido atribuído à sua tentativa de assassinato. Ela teve o ímpeto do assassinato, teve um pouco de sangue nos dedos e teve a morte. Para ela, era o suficiente.
No dia 31 de dezembro passou a virada com alguns colegas do trabalho. Naquele ano, oito pessoas que ela conhecia morreram: sete artistas de alguma relevância e um ex-namorado do colégio, que ela nem tinha mais contato. Mas ela não sabia desses números, dessas partidas.. De uma vez por todas ela tinha deixado de se importar com a morte.
Agora acabou. =)
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📌 FIXO
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Incrivel, Dani! Amei começar o domingo com essa leitura.